quarta-feira, 11 de novembro de 2009

"JUDAS, O OBSCURO", DRAMA E TRAGÉDIA DE NOSSA CIVILIZAÇÃO.



''É indiscutível que o século XIX e o XX vão ambos ficar caracterizados, literariamente, pelo predomínio quase absoluto do romance como gênero literário. Ora, dentro do romance, também é fora de dúvida que a Inglaterra não cede um passo a França na luta pela primazia mundial. Ainda seguindo o mesmo critério de excelência, ninguém negará que, na Inglaterra, Thomas Hardy pertence a uma categoria absolutamente ímpar, junto com Dickens, Meredith, Falsworthy, Lawrence e alguns poucos outros. E com mais certeza ainda se poderá afirmar que, na obra de Thomas Hardy, nenhum romance pode disputar a primazia a “Judas, o Obscuro”. Resulta, portanto, de tudo isso, que este romance é, inegavelmente, uma das maiores obras-primas que a humanidade possui e um dos livros que mais fielmente podem refletir o drama ou a tragédia que a nossa civilização vive. Toda a problemática do homem moderno, na sua vida íntima, aí está refletida, graças à extraordinária sensibilidade e ao excepcional poder criador de perfeitas incarnações do homem sensível e delicado, bom e puro, que a máquina impiedosa das convenções sociais e dos egoísmos individuais não hesita em esmagar, sem nem sequer desconfiar da desgraça que está ocasionando. Mas, que pode ele fazer senão ser ele mesmo? E pode ela fazer senão ser ela mesma? Judas não só não conseguirá construir o seu futuro, realizar os sonhos de infância, como nada poderá fazer contra o seu destino de perseguido e de eterno ignorado. Desconhecido, incompreendido, enganado, só poderá responder aos golpes da vida com a pureza do seu gesto, tantas vezes repetido, de desvendar inutilmente aos olhos de todos o seu coração de homem. Os que o rodeiam viram então a face, porque suas feridas ferem a eles próprios. Não o compreende, na cegueira dos seus pequenos preconceitos de mulher conscientemente inteligente demais para o seu meio, a criatura que ama e amará a vida interia acima de todas as coisas. E a outra é só mentiras e engodo. Uma e outra dele só se aproximarão para reforçar, de um dos modos mais trágicos a que já nos foi dado assistir, o grito lancinante do poeta contra a mulher: “Tu n’es jamais la soeur de charité, jamais!”. Por outro lado, o que torna ainda maior e mais classicamente trágico “Judas, o Obscuro” é que essa verdadeira Biografia de um fracassado foi escrita por um dos homens que mais profunda e mais delicada, mais piedosamente, souberam se inclinar sobre o sofrimento humano. Poucos livros serão mais tristes – amargo, nas suas páginas finais, com poucos livros terão sido amargos. Poucos possuem, em tão alto grau, o sentido da tragédia humana, no que ela tem de mais absolutamente insolúvel e eterno. Acompanhando Judas, passo a passo, no seu terrível calvário, é o próprio homem que Thomas Hardy acompanha. É o Absoluto que se atinge, através dessa experiência de homem, e de homem em luta com as realidades sociais de usa época. E é por isso que o valor da obra me parece inexcedível, como inexcedível é a sua importância para a nossa experiência individual. ''
Octávio de Faria – Tradutor do romance – Judas, o Obscuro – de Thomas Hardy, em Nota Preliminar – ed. Itatiaia – 1958.

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